CIENTIFICISMO + LIRISMO

Mas a vida é tão maior que as palavras...

"(...)quando o acontecimento não cabe nas palavras, eu costumo usar as palavras, ao contrário, para caberem no acontecimento. Não é a mesma coisa, né, mas quase serve."

(Thami)

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Polêmica, pra variar

Em homeagem ao senhor Dê Paula e seu blog cheio de intrigas, fujo um pouco aqui do caráter puramente artístico (arte: qualquer forma de expressão destinada a tratar de sentimentos. (ROSA, Marcos. Definições inventadas na hora, 2009.)) e trato de um tema, as I see it, polêmico. É, inclusive, algo de que tenho vontade de falar aqui há muito (and I mean muito) tempo.

Religião.

“Não há registro em qualquer estudo por parte da História, Antropologia, Sociologia ou qualquer outra "ciência" social, de um grupamento humano em qualquer época que não tenha professado algum tipo de crença religiosa. As religiões são, então, um fenômeno inerente a cultura humana, assim como as artes e técnicas.” (VALÉRIO, Marcus. Religião. - não é o doidão do mensalão.)

Assim sendo, não é possível determinar com satisfatória certeza a época do surgimento da religião, tampoco seu conceito, prático e teórico, original.

No entanto, um estudo histórico e etimológico do termo religião pode oferecer um vislumbre da idéia original por trás da prática a que foi atribuído tal termo.

“A palavra "religião" foi usada durante séculos no contexto cultural da Europa, marcado pela presença do Cristianismo, que se apropriou do termo latino religio. Em outras civilizações não existe uma palavra equivalente. O Hinduísmo antigo utilizava rita, que apontava para a ordem cósmica do mundo, com a qual todos os seres deveriam estar harmonizados e que também se referia à correta execução dos ritos. Mais tarde, o termo foi substituído por dharma, que atualmente é também usado pelo Budismo e que exprime a idéia de uma lei divina e eterna.

Rita relaciona-se também com a primeira manifestação humana de um sentimento religioso, a qual surgiu nos períodos Paleolítico e Neolítico, e que se expressava por um vínculo com a Terra e com a Natureza, os ciclos e a fertilidade. Nesse sentido, a adoração à Deusa mãe, à Mãe Terra ou Mãe Cósmica estableceu-se como a primeira religião humana. Em torno desse sentimento formaram-se sociedades matriarcais centradas na figura feminina e suas manifestações. Ainda entre os hindus destaca-se a deusa Kali, ou A negra, como símbolo dessa Mãe cósmica. Cada uma das civilizações antigas representaria a Deusa, com denominações variadas: Têmis (Gregos), Nu Kua (China), Tiamat (Babilônia) e Abismo (Bíblia).

Segundo o mitologista Joseph Campbell, a mudança de uma idéia original da Deusa mãe identificada com a Natureza para um conceito de Deus deve-se aos hebreus e à organização patriarcal de sua sociedade. O patriarcalismo formou-se a partir de dois eventos fundamentais: a atividade belicosa de pastoreio e às constantes perseguições religosas que desencadearam o nomadismo e a perda de identidade territorial.

Historicamente foram propostas várias etimologias para a origem de religio. Cícero, na sua obra De natura deorum, (45 a.C.) afirma que o termo se refere a relegere, reler, sendo característico das pessoas religiosas prestarem muita atenção a tudo o que se relacionava com os deuses, relendo as escrituras. Essa proposta etimológica sublinha o carácter repetitivo do fenômeno religioso, bem como o aspecto intelectual.

Mais tarde, Lactâncio (séculos III e IV d.C.) rejeita a interpretação de Cícero e afirma que o termo vem de religare, religar, argumentando que a religião é um laço de piedade que serve para religar os seres humanos a Deus.

No livro A Cidade de Deus, Agostinho de Hipona (século IV d.C.) afirma que religio deriva de religere, "reeleger". Através da religião, a humanidade reelegia de novo a Deus, do qual se tinha separado. Mais tarde, na obra De vera religione, Agostinho retoma a interpretação de Lactâncio, que via em religio uma relação com "religar".

Macróbio (século V d.C.) considera que religio deriva de relinquere, algo que nos foi deixado pelos antepassados.

Independente da origem, o termo é adotado para designar qualquer conjunto de crenças e valores que compõem a fé de determinada pessoa ou grupo. Cada religião inspira certas normas e motiva certas práticas.” (Adaptado de Religião. In Wikipedia.)

O conceito original de religião, conforme estudado acima, engloba seitas, mitologias e quaisquer outras doutrinas ou formas de pensamento que tenham como característica fundamental um conteúdo Metafísico, portanto é fruto do pensamento humano, de modo que é perfeitamente compreensível o surgimento, ao longo dos tempos, de milhares de desmembramentos, tantos quantas são as variações de ideologia na história.

Não vou defender a “liberdade religiosa”, porque acredito que a Revolução Francesa já tenha se encarregado disso. Minha questão é outra, e mais essencial (relativa a essência): a Religião deve servir ao Homem, e não o contrário.

Com o passar dos milênios, a religião vestiu uma roupagem ligeiramente, mas fundamentalmente, diferente. Ela há muito deixou de ser um guia e tornou-se uma “norma de conduta”. Os livros sagrados transformaram-se em manuais de regras. Muitos simplesmente estão brincando de “Céu ou Inferno”, e a religião está ali para ensiná-los a ganhar o jogo.

Eu estaria menosprezando a validade da religião e da fé se dissesse que a maioria da humanidade está simplesmente jogando. Seria errado fazer tal consideração. Mas, a meu modo de ver, mesmo indivíduos mais espiritualizados, mais religiosos, que levam a sério a religião, que querem realmente fazer aquilo que é o melhor e o certo para eles, para suas almas, mesmo esses distorcem o sentido da religião. Isso não faz deles más pessoas, longe disso. É meramente uma questão de má interpretação, ou um mau direcionamento da fé.

A imensa maioria das pessoas deposita sua fé em sua religião – até aí, tudo perfeitamente bem. O problema é a má interpretação de o que é religião. As pessoas buscam a religião, seja qual for, na esperança de encontrar apoio, “verdade”, algo que os guie na direção de uma vida bem vivida, possibilitando uma pós-vida (seja lá o que elas entenderem por isso) em paz. Elas lêem o seu livro sagrado como quem lê um livro de ciências, ou como quem escuta um professor ensinando como resolver uma equação – elas acreditam que a religião lhes fornecerá as respostas que procuram.

Os fanatismos religiosos são exemplos (extremos, claro) dessas más interpretações, assim como de que sempre haverá pessoas dispostas a se aproveitar dessa ingenuidade e necessidade de encontrar respostas da humanidade. Vide a Idade Média e os grupos terroristas árabes.

“Grande parte de todos os movimentos humanos significativos tiveram a religião como impulsor, diversas guerras, geralmente as mais terríveis, tiveram legitimação religiosa, estruturas sociais foram definidas com base em religiões e grande parte do conhecimento científico, "filosófico" e artístico tiveram como vetores os grupos religiosos, que durante a maior parte da história da humanidade estiveram vinculados ao poder político e social.” (VALÉRIO, Marcus. Religião.) Mesmo em questões menores, “coisas do dia-a-dia”, isso se vê: inúmeras pessoas vão à igreja no domingo por puro hábito, quiçá obrigação; outras tantas são vegetarianas porque “minha religião não deixa comer carne”; quantos não “pecam” à vontade e acreditam que se redimem ao confessar-se com o padre...

A religião deve ser como eram os diálogos de Sócrates: uma fonte de sabedoria externa trabalha em função de auxiliar a descoberta/criação da sabedoria interna, particular, individual. Os livros sagrados não tratam de uma realidade exata, material, mas de um estudo, uma interpretação dessa realidade. Se fosse possível para nós conhecer a “verdade”, não haveria divergências entre religiões, sequer haveria religiões, porque todos concordaríamos.

Eu penso assim, e é por isso que não me declaro seguidor de nenhuma religião – pois acredito que, por mais que eu tenha grande afinidade com determinada doutrina, me dizer espírita, por exemplo, restringiria e materializaria demais a minha fé. Não, eu tenho a minha própria religião, como minha forma pessoal de entender o mundo em que vivo e buscar nele o meu melhor caminho. Para isso, compactuo com aspectos do Espiritismo, do Budismo, do Hinduísmo e com mais qualquer outra idéia que me pareça certa e adequada.

Faço minhas, portanto, as palavras de Alan Kardec, fundador do Espiritismo: “inabalável só a é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.” E a razão existe dentro de nós, para ser descoberta, com a ajuda alheia, por nós mesmos.

9 comentários:

De Paula disse...

Na verdade religião pra ser religião precisa ter estrutura e seguidores. Ter "sua própria religião" é meio difícil, o jeito é se dizer agnóstico. Pra mim, apareceu todo tipo de religião doidona até que um dia Jesus veio e ensinou o jeito certo. Fuck yeah.

Marcolino disse...

Pela pesquisa que eu fiz, discordo que pra ser religião precisa ter estrutura e seguidores.

Mas enfim, se você, por sua conta, acha que Jesus veio e ensinou o jeito certo, é isso que conta...

De Paula disse...

É aquele lance assim
Religião é diferente de fé que é diferente de espiritualidade. Quando você descobrir a diferença me conta, que eu não sei :p

Marcolino disse...

ow... consultando o 'Definições inventadas na hora' aqui =P

FÉ é aquela coisa de acreditar, de incorporar um determinado pensamento ao seu próprio ser... tipo, as coisas em que você tem fé passam a também te definir, fazer parte de quem você é.

ESPIRITUALIDADE é a tendência/inclinação do sujeito a considerar/dar relevância ao lado espiritual/moral/ético/metafísico do nosso mundo, da nossa existência.

RELIGIÃO (e eu volto um pouco atrás no meu comentário acima) é ter uma fé e uma espiritualidade mais "formatadas" (mas continuo achando que dispensa a existência de um grupo de seguidores - pode ser pessoal/individual). tipo, é o conjunto de "coisas" em que você acredita, o conjunto de "coisas" que você tem que te "aproximam de Deus" ou das "respostas"...


=P

asadebaratatorta disse...

seguinte:

Espiritualidade é um conceito distinto de religiosidade. Espiritualidade imputa ao sujeito a busca de liberdade no agir mundano. Não tem a verr com metafísica ou com moral. Mas sim com ética. religião (mais pro lado da moral), acho que marcola explicou satisfatoriamente, de acordo com nossas crenças.

uma coisa é crença, outra é ação. Mas o problema talvez não esteja nisso, ou na religião, no fundamentalismo latente em alguns lugares do mundo, a intolerancia religiosa, etc e tal. Acredito que o problema esteja algo mais fundo, e este não poderia ser exposto em forma de uma resposta baseada unicamente na razão (aqui, marcola, não tenho tanta fé na razão, como se utiliza essa idéia tanto na ciência positivista como no espiritismo positivista de Kardec). Mesmo por que a razão costuma adquirir os louros de temperança a partir, muitas vezes, de outras virtudes.
Essa é uma crença, um pressuposto meu. que precisa ser demosntrado, precisa ser datado e ter minhas próprias intenções reconhecidas. Isso é o que chamo de primeiro movimento da fenomenologia. Quando se deparar com uma percepção de um fenomeno, "olhar para dentro".
O texto de marcola está completamente marcado por sua intencionalidade, aqui e ali, em lugares que talvez nem ele tenha notado. Isso é muito comum.
Meu segundo pressuposto: dúvida: a religião deve servir aos homens e não o contrário? Eis uma posição de moralidade. uma espécie de humanismo grego, se relacionamos com a história; o mito de ulisses, a vitória da razão, a autonomia. Bom, esse núcleo ético-mitico (Ricoeur, 2007) se msitura com a heteronomia hebraico-cristã, com a perda de autonomia desse sujeito diante do poder de Deus, ao qual ele teria que servir, pois é o seu senhor. O que mais marca na heteronomia cristã não é a razão, mas a ética. A busca pelo sentido, metáfora da "terra prometida", "felicidade", passa, na sabedoria crística, pelo encontro com a diferença; com o outro. Então, enquanto a razão é conquistadora, assimiladora, a ética se vê diante de uma diferença, de algo que não é sob hipótese alguma igual, e a questão é: como tratar a diferença? Assita abraão se puder.
Enfim, o que eu quis enfatizar é que são duas matrizes diferentes que se misturaram ao longo da história por nós mesmos. E as vezes precisamos ter uma certa consciencia das nossas crenças. Acredito que não há esse Universal, esse "servir aos homens". Pois aí, o que fosse diferente de homem, ou seria assimilado como "algo humano", o que as vezes tentamos fazer com nossos bichos, ou simplesmente se negaria esse Outro, essa diferença. Estou chegando onde queria, por isso, vou terminar com questões inconclusas:

Será que está no "servir" a isso ou aquilo a chave para uma melhor convivência?

Até que ponto a idéia ocidental de verdade é útil pra isso?

Será que se trata no respeito à diferença, no sentido ultra-radical de respeito até mesmo pelo fundamentalista, como um sujeito, um outro sem o qual talvez não existisse "eu" como eu me vejo?


Enfim, há fundamentalistas ou não, e marcola expressou a opinião bela dele a respeito. Mostrou um pouco da própria matéria que origina um fundamentalismo ou uma "fé cega". Assim como eu mostrei aqui um pouco também da minha.

Marcolino disse...

Acho que o que eu quis dizer é que a Religião, qualquer que seja, é uma interpretação da "Realidade" - eventos são interpretados e essas interpretações são tomadas em conjunto, criando uma imagem da "Realidade", uma imagem na qual se possa ter Fé, pois ela não saiu do nada, se baseia em alguma coisa.

Quando digo que a Religião deve servir ao homem, e não o contrário, me refiro a isso. Se você passa a seguir "cegamente" os mandamentos, as crenças que uma religião prega, você está tomando uma interpretação alheia a você como sendo sua própria; você está acreditando sem pensar; você não está praticando sua Fé.

As religiões são como professores que te ajudam a ler um livro. Elas se baseiam em todo o conhecimento (muito maior que o que uma pessoa individualmente pode obter) adquirido ao longo do tempo para oferecer uma interpretação do livro. Mas, como o livro é muito complexo, inúmeras passagens dão margem a inúmeras interpretações. Cada professor passa ao seu aluno aquele que lhe parece mais adequada. Cabe a cada aluno se embasar nesse conhecimento adquirido com a ajudo dos professores para escolher sua própria interpretação. Ele pode concordar 100% com um único professor ou concordar em partes com vários. Mas cabe a ELE chegar a sua própria conclusão. Uma conclusão em que ELE possa depositar toda a SUA Fé, pois é uma conclusão que partiu DELE.

asadebaratatorta disse...

É uma posição da autonomia, e humanística. Com apelo pruma razão e pruma escolha. Veja, foi mto difícil a minha tentativa de criticar isso, até mesmo por que tenho uma posição parecida com a sua, Marcola. As conclusões, na medida em que Ele tem acesso ao texto religioso, não podem partir Dele como nada tivesse acontecido; isso vc tbm entende.
A questão que eu quis levantar trazia o debate não para o indivíduo e suas capacidades (escolhas, fé na razão, razão direcionando a fé). Trazia o debate para uma relação com o diferente. E é isso o que me faz falta quando vejo o ego alimentado pela fé, pelo seu professor, pelas suas crenças religiosas: na medida em que sequer se menciona a diferença, numa espécie de pretensão universal.
Um exemplo disso que eu quero dizer pode ser: você, que acredita no que acredita, se depara com alguém que, na sua concepção, segue cegamente a sua fé, a partir disso que vc chamou de uma "percepção alheia". A esse diferente, você negou o direito de prática da própria fé. Você disse isso no seu primeiro parágrafo.

Entre os autonomos, intérpretes e as ovelhas, independente de qualquer tipo fé, caberia (e esse pode ser o meu universalismo) uma dúvida: Estamos mesmo interpretando? Temos realmente a nossa autonomia? Até que ponto não estaríamos prendendo nossas próprias ações de acordo com nossas próprias crenças?

Novamente: um muçulmano ou hindu, que preza mais pelos costumes antigos que pela própria vida. Será que nós, diferentes, temos o direito de questionar a fé do Outro?

Será mesmo que a fonte dos problemas de ordem religiosa que vemos tem como fonte a simples e única atitude tradicionalista e fundamentalista de uns (que é o que costumam dizer) ? É fundamentalismo de uns e outros?

Minha hipótese: sempre que se polariza causa e efeito, culpa, tem algo de errado.

Marcolino disse...

É.. Hei de concordar com você, doc..

Mas me retrato em algumas coisas:

- Acredito que muçulmanos e hindus, ou qualquer desses outros grupos que costumam ser mais tradicionalistas e fundamentalistas na sua prática religiosa, exerçam sim sua Fé, porque, pelo menos assim me parece, apesar de seguirem a risca tudo que sua religião prega, eles acreditam, sabem o porque, concordam com tudo aquilo.

- Ao contrário do que já vi muita gente fazer, muita gente que deixa de fazer coisas contra sua vontáde, de má vontade, mas ainda assim o faz, por causa de sua religião.

Meu foco sempre foi a Fé, e não seu objeto (apesar de eu ter discorrido sobre o objeto, a religião). Acho que é válido que alguém deposite toda sua Fé em satã, desde que realmente acredite. =P
Acho que, em resumo, o meu ponto é que o que vale é a Fé, independente da Religião.
(Minha opinião não é tão extremista assim, afinal =p )
Mas, de fato, não acho que eu esteja em posição de julgar a prática ou a não-prática da Fé de ninguém além de mim.

asadebaratatorta disse...

A gente acaba julgando de uma forma ou de outra; o unico erro que eu considero de tais julgamentos incertos é se a pessoa que julga não tem capacidade de ouvir, né? Acho que concordamos com isso.
Então, depois da discussão, parece que surgiu mais claramente o seu pressuposto, algo de mais original, seu, que diz respeito a sua sensação no mundo. Neste sentido, concordo com você. O que vc pede é ao menos um pouco de coerencia.

Chegando a esse resultado tão seu, um inconformismo seu, talvez não haja mais o que criticar, o que indagar. Ao menos não agora. Aceito e afirmo isso seu. ^^

Talvez vc mesmo, se tivesse ainda mais saco para o autoconhecimento, devesse perguntar o porquê dessa atitude de algumas pessoas incomoda.
^^'

Ops, acho que estamos misturando Jung com Fenomenologia aqui... ^^'