Não conseguia tirar uma frase da cabeça. Não que tivesse tentado. Ou talvez fosse justamente isso: a frase era muito boa, boa demais. Era o tipo de frase que ele esperava, há algumas semanas, que o fizesse debulhar-se em lágrimas ao longo dessas semanas. (Isso é uma qualidade das melhores, para uma frase.)
Mas onde estavam as lágrimas? Não tirava a frase da cabeça, no entanto não vinha uma lágrima sequer turvar-lhe a vista. Começava a sentir-se incomodado com essa apatia, com essa solidez de seu outrora tão flácido coração. O que só o fazia pensar ainda mais na frase - era realmente fabulosa.
Sua "emocionalidade" estava em perfeitas condições, com isso não precisava se preocupar. Aliás, estava até mais emotivo que de praxe - o frio na barriga brotando de quase qualquer coisa, o brilho-poético no olhar era quase perene... Inclusive imaginação e memória estavam a toda, trabalhando veementemente, ao ritmo do Hino à Alegria de Beethoven. Recordações fantasiosas não lhe faltavam. E, ainda assim, sequer um traço de desolação. A frase realmente era boa.
Vale ressaltar, e ele prendia-se repetidamente neste ponto, que quase não haviam más recordações. Houveram, sim, e muitas, "experiências desagradáveis", para descrevâ-las com elegância, mas, admiravelmente, elas não mais importavam. Perdoadas, esquecidas, postas de lado, ignoradas - bem ou mal, não mais importavam.
Talvez fosse obra do espírito natalino / de fim-de-ano. É a dita "época de recomeço", mas a verdade é que não há final. Por isso não deixamos as coisas para trás quando elas acabam - porque elas não acabam.
Utilizando uma frase de efeito, brincando com transitividade: vivemos o presente, vivemos do passado, vivemos para o futuro. O passado não acaba, porque ele nos fez. E vai continuar nos fazendo, se optarmos por continuar carregando-o, em nossa mente.
Aí está o real sentido da "época de recomeço": olhar pra trás e perdoar, olhar pra trás e agradecer, olhar pra trás e sentir saudade, olhar pra trás e deixar pra trás o que for ruim, olhar para trás e trazer o que for bom - fazermo-nos com aquilo que é bom.
E a frase fica cada vez melhor.
Saudade. Ah, a saudade... A doce e carinhosa certeza de que a vida não passou inutilmente... E essa certeza não poderia afastar mais as lágrimas; trouxe também a compreensão - não mais lhe incomodava, agora, a ausência de lágrimas, nem lhe parecia duro seu coração.
Foi num momento como este, ao recordar-se da felicidade, que a frase gravou-se em sua cabeça. E não saiu mais. E nem vai.
Depois de mais um dia sem conseguir dormir após o almoço, foi até a foto da turma e escreveu no verso: see you in my dreams.
E dormiu como um anjo aquela noite.
3 comentários:
See you in my dreams. Ah! suspiro. É exatamente isso que eu quero, para uma imensa maioria, e não digo pelos desafetos, porque eles foram brilhantemente '' Perdoadas, esquecidas, postas de lado, ignoradas''. Digo, especialmente, porque é nesse espaço, de nossos sweet dreams, em que não há mal que tenha sido feito que cause danos concretos, não há mal que possa ser feito, não nada de errado que não possa ser apagado com um 'foi só um sonho.'
O legal da palavra "sonhos" aí é que ela vai a gosto do freguês - "sonho" não é só quando você dorme e sonha. Você pode sonhar onde quiser, na hora que quiser, com quem quiser, consciente, ou inconscientemente. Essa que é a beleza do negócio. 8]
vlw o comentário com a explicação, marcos
mt esclarecedor
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