CIENTIFICISMO + LIRISMO

Mas a vida é tão maior que as palavras...

"(...)quando o acontecimento não cabe nas palavras, eu costumo usar as palavras, ao contrário, para caberem no acontecimento. Não é a mesma coisa, né, mas quase serve."

(Thami)

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Um conto de Luz

A máscara apossara-se de seu pequeno corpo de anjo. Impunha-lhe feições demoníacas. Era agonizante vê-la assim, tamanho o Amor que compartilhava com ela.

Veio em minha direção, como uma marionete mau manejada. Sorria um sorriso nefasto, que lhe dava contornos de um fantoche espalhafotasamente dirigido pelo ventríloco. Aquela cena patética partía-me o coração de maneiras que não podem ser verbalizadas, drenava o ar de meus pulmões, enturvava-me a vista, abria o chão embaixo dos meus pés.

Quando achava que eu não aguentaria mais, estiquei a mão para a cadeira, em busca de apoio - não podia me deixar vencer, não podia abandoná-la sob aquilo. Meus dedos emaranharam-se em um fluido de pano gasto. Era seu echarpe. O que ela me fizera comprar-lhe, quando me arrastou para a feira, há tanto tempo... e que ela usava o tempo todo, não o tirava nem para dormir.

O chão continuava a se abrir embaixo dos meus pés, mas, em um momento, eu não mais caía naquele buraco sem fim. Eram tantas lembranças, tanta Felicidade, tanto Amor que subiam por entre meus dedos... Meu coração voltou a integrar-se, o ar voltou aos meus pulmões, minha visão clareou. Brotou um frio em minha barriga. Ânsia. Ânsia de ter de volta meu Anjo. As lembranças e os sentimentos me davam forças fabulosas.

Pisquei os olhos, e o momento esvaiu-se. Voltei para a sala. Voltei para brigar.

Joguei para ela o echarpe, segurando uma das pontas. Parou e agarrou-o, com seus toscos movimentos de marionete.

Ficamos ali, a um metro um do outro, encarando-nos, olhos nos olhos. Não pisquei uma vez sequer. Podia sentir as lembranças e sentimentos fluindo, também sem fraquejar um segundo, através do echarpe, para ela.

Aos poucos, vi seus doces olhos emergindo da névoa sinistra que sobrepunha seu rosto e controlava seu corpo; a máscara começou a perder sua exuberância, tornou-se velha; os fios invisíveis que a manipulavam afrouxaram-se; ela caiu no sofá.

Fui, sem soltar o echarpe, até ela. Abaixei ao seu ouvido, sem qualquer temor, sabendo em minha alma que aquilo nada mais podia contra nós, e sussurei:

- Sai!

A máscara disparou, como uma bala que sai pela culatra, indo cair do outro lado da sala. Evaporou. Derretou. Sumiu.

O echarpe permaneceu em nossas mãos.

O Anjo estava finalmente completo novamente, corpo de volta ao rosto, Luz de volta a ela. Encaramo-nos uma vez mais.

Abraçamo-nos, e o abraço durou para sempre, mais que qualquer outro.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Some day I'll flyyy

Someday I'll sooooar!



'Cause I'm bigger than my body gives me credit for ;)

Lyrics: http://letras.terra.com.br/john-mayer/78794/
e letras (afinal, não quero restringir o conhecimento ¬¬ ): http://letras.terra.com.br/john-mayer/113895/


E, com essa mengagem, feliz ano novo pra todo mundo! ^^

Pout-pourri

Cheguei a tempo de te ver acordar. Eu vim correndo à frente do sol. Abri a porta e, antes de entrar, levei a vida inteira. Pa(i)rei ali e contemplei. Pensei em tudo que é possível falar, que sirva apenas para nós dois. Sinais de bem, desejos de mais, pequenos fragmentos de luz... Falar da cor dos temporais, do céu azul, das flores de abril... Sonhar beleza em abraços, saudade no olhar, amor, a amizade... Pensar além do bem e do mal... Lembrar de coisas que ninguém viu...

Pensei no tempo, e era tempo demais... Você olhou, sorrindo pra mim. E o mundo lá, sempre a rodar: a lua com certeza estava mergulhando... mas o sol vinha devagar se erguendo... Portanto este velho mundo deve ainda estar rodando, sim... E eu ainda te amo. Então feche seus olhos. Pode fechar seus olhos, está tudo bem.

Só de pensar, já me faz mais feliz. Chega e instala a beleza, momento de sonho real - chega junto, roça a pele e já quer se enroscar, lê seu pensamento, paralisa seu momento, ao se encostar. E eu simplesmente não consigo parar. Lá fora o dia já clareou.

Da janela lateral, do quarto de dormir, eu vejo uma igreja, um sinal de glória, vejo um muro branco e um vôo de um pássaro, vejo uma grade no velho sinal. Cavaleiro Negro que viveu mistérios, cavaleiro e senhor de casa e árvores, sem querer descanso nem dominical. Conheci as torres e os cemitérios, conheci os homens e os seus velórios, eu olhava da janela lateral.

E o sonho real fez surpresa pra mim, trançou o meu destino com alguém assim. Vem, meu anjo torto, vem andar comigo, numa beira de estrada, nesse lago ensolarado que eu achei pra caminhar. Feche seus olhos. Pode fechar seus olhos, está tudo bem.

E o mundo lá, sempre a rodar... Mas, em cima dele, tudo vale. Quem sabe isso quer dizer amor... Estrada de fazer o sonho acontecer.

Texto construído a partir das obras “Quem sabe isso quer dizer amor”, “Sonho real” e “Paisagem da janela”, de Lô Borges, e “You can close your eyes”, de James Taylor.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Once upon a time and forever more

Não conseguia tirar uma frase da cabeça. Não que tivesse tentado. Ou talvez fosse justamente isso: a frase era muito boa, boa demais. Era o tipo de frase que ele esperava, há algumas semanas, que o fizesse debulhar-se em lágrimas ao longo dessas semanas. (Isso é uma qualidade das melhores, para uma frase.)

Mas onde estavam as lágrimas? Não tirava a frase da cabeça, no entanto não vinha uma lágrima sequer turvar-lhe a vista. Começava a sentir-se incomodado com essa apatia, com essa solidez de seu outrora tão flácido coração. O que só o fazia pensar ainda mais na frase - era realmente fabulosa.

Sua "emocionalidade" estava em perfeitas condições, com isso não precisava se preocupar. Aliás, estava até mais emotivo que de praxe - o frio na barriga brotando de quase qualquer coisa, o brilho-poético no olhar era quase perene... Inclusive imaginação e memória estavam a toda, trabalhando veementemente, ao ritmo do Hino à Alegria de Beethoven. Recordações fantasiosas não lhe faltavam. E, ainda assim, sequer um traço de desolação. A frase realmente era boa.

Vale ressaltar, e ele prendia-se repetidamente neste ponto, que quase não haviam más recordações. Houveram, sim, e muitas, "experiências desagradáveis", para descrevâ-las com elegância, mas, admiravelmente, elas não mais importavam. Perdoadas, esquecidas, postas de lado, ignoradas - bem ou mal, não mais importavam.
Talvez fosse obra do espírito natalino / de fim-de-ano. É a dita "época de recomeço", mas a verdade é que não há final. Por isso não deixamos as coisas para trás quando elas acabam - porque elas não acabam.
Utilizando uma frase de efeito, brincando com transitividade: vivemos o presente, vivemos do passado, vivemos para o futuro. O passado não acaba, porque ele nos fez. E vai continuar nos fazendo, se optarmos por continuar carregando-o, em nossa mente.
Aí está o real sentido da "época de recomeço": olhar pra trás e perdoar, olhar pra trás e agradecer, olhar pra trás e sentir saudade, olhar pra trás e deixar pra trás o que for ruim, olhar para trás e trazer o que for bom - fazermo-nos com aquilo que é bom.
E a frase fica cada vez melhor.

Saudade. Ah, a saudade... A doce e carinhosa certeza de que a vida não passou inutilmente... E essa certeza não poderia afastar mais as lágrimas; trouxe também a compreensão - não mais lhe incomodava, agora, a ausência de lágrimas, nem lhe parecia duro seu coração.

Foi num momento como este, ao recordar-se da felicidade, que a frase gravou-se em sua cabeça. E não saiu mais. E nem vai.

Depois de mais um dia sem conseguir dormir após o almoço, foi até a foto da turma e escreveu no verso: see you in my dreams.

E dormiu como um anjo aquela noite.

sábado, 13 de dezembro de 2008

MATEMÁTICA DE DEUS

Marcos Rosa, Giovani Laquini, Pedro Hissa

A natureza permeia o pensamento humano desde o início dos tempos: a refração da luz, os átomos, o crescimento das plantas, as espirais das galáxias, os marfins de elefantes, as ondas no oceano, furacões... A admiração desses e de tantos outros elementos naturais, buscando a compreensão da perfeição neles observada, caminha lado a lado com o ser humano em sua história, dando, inclusive, origem à ciência. Em milênios de existência, homem e ciência têm convivido com uma impressão: Deus pode escrever certo por linhas tortas, mas é inegável seu gosto pela perfeição.

Qual a relação entre o aumento do diâmetro das espirais das sementes de um girassol, a redução do tamanho das folhas de uma árvore à medida que esta ganha altura, o crescimento de seus galhos, o número de abelhas e zangões em uma colméia e o crescimento do raio do interior da concha de uma espécie de caramujo? Todos esses elementos naturais, como inúmeros outros, obedecem a uma determinada proporção.




Essa razão é conhecida desde a Antiguidade, quando já era usada pelo homem em suas próprias criações, por ser considerada um símbolo de harmonia, dada sua tão marcante presença na natureza. Sua história, antiga e misteriosa como sua origem, perde-se no tempo. As pirâmides do Egito obedeciam a essa proporção, assim como muitas estátuas milenares e também as medidas de um documento histórico, o Papiro de Rhind, datado de mais de 1600 a.C. - o qual continha referências a uma “razão sagrada”.

O Papiro de Rhind



As pirâmides do Egito

Muito tempo mais tarde, por volta do século V a.C., o escultor e arquiteto grego Phideas construiu o famoso Partenon, utilizando-se dessa mesma razão, revelando uma preocupação em realizar uma obra bela e harmoniosa. A “razão sagrada” era marca registrada do trabalho de Phideas, de modo que esta recebeu, em homenagem, seu nome: a letra grega Φ (Phi, maiúsculo).

O Partenon na acrópole de Atenas

O Φ foi objeto de estudo de inúmeros matemáticos e pensadores ao longo da história. Os Pitagóricos estudaram a “razão de ouro”, como também é chamada: na construção da estrela pentagonal inscrita em uma circunferência, não conseguiram uma conta exata na divisão entre as medidas do lado do pentágono estrelado e do lado do pentágono regular. Chamaram, então, essa razão, o próprio número Φ, de irracional, pois tal resultado ia contra toda a lógica que conheciam e defendiam até então. Surgia, assim, o primeiro número irracional.

O Pentágona pitagórico

Posteriormente, os gregos consideraram que o retângulo cujos lados possuíam essa relação apresentava uma especial harmonia estética e lhe chamaram “retângulo áureo“, ou “retângulo de ouro”, considerando essa harmonia como uma virtude excepcional.

O Φ ganhou ainda maior notoriedade com Leonardo Da Vinci. Pode ser percebido em muitas de suas obras, inclusive na famosa Mona Lisa, tela construída com base em diversos retângulos áureos, incluindo um sobre a face da Gioconda. A proporção áurea é destaque também em outra conhecida obra de Da Vinci, o Homem Vitruviano, estudo feito pelo artista, evidenciando como o corpo humano também segue as divinas proporções.

Homem Vitruviano, de Da Vinci


A Gioconda, de Da Vinci

Leonardo de Pisa, mais conhecido como Fibonacci, também se destacou no estudo do Φ, ao criar a famosa seqüência que leva seu nome, na qual um número é sempre o resultado da soma dos dois anteriores, desenvolvida a partir da observação da reprodução de coelhos. Atentando-se à razão entre dois termos consecutivos da seqüência (1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21...), pode-se constatar que ela converge para o número áureo.

O retângulo de ouro, por estar associado a uma proporção harmoniosa e perfeita, é constantemente utilizado em projetos artísticos e arquitetônicos. Esse fato não é uma simples coincidência, uma vez que testes psicológicos comprovam que essa figura é a mais agradável de se ver, dentre os outros retângulos. É muito provável, no entanto, que empresas o utilizem de forma intuitiva na criação de seus produtos. Os cartões de crédito, por exemplo, são feitos de maneira que suas dimensões sigam o número Φ. Em relação à arquitetura moderna, a sede da Organização das Nações Unidas é um bom exemplo de aplicação do Φ, assim como as obras do arquiteto Le Corbusier, que desenvolveu um sistema de medição conhecido por “Modulor”, baseado na razão de ouro, nos números de Fibonacci e nas dimensões médias humanas.


Sede da ONU, New York


O número áureo pode ser encontrado inclusive na música. Pitágoras de Samos, em seus modelos matemáticos sobre o universo, conseguiu elaborar uma teoria que vinculava a música, o espaço e os números. Ele descobriu que se cordas de um mesmo material e sob mesma tensão estiverem em uma determinada proporção, elas emitem um som agradável, enquanto em outros casos isso não era possível. A essa proporção, deu o nome de proporção harmônica, a qual está intimamente ligada ao número Φ. Existem, também, artigos que relacionam as composições de Mozart, Beethoven (Quinta Sinfonia), Schubert e outros com a razão áurea. Pode-se verificar que até mesmo a construção de instrumentos, como o violino, segue essa proporção.



Partindo da natureza, perpassando pelas obras de arte, construções magníficas e composições incríveis, até o corpo humano, o Φ está presente em praticamente tudo na vida do homem - o gosto por perfeição de Deus garante harmonia em suas linhas tortas.





[O Φ vale marromenos 1,61803399.]

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Life like this

Look within and life, it seems, is very far from being "like this". Examine for a moment an ordinary mind on an ordinary day. The mind receives a myriad impressions - trivial, fantastic, evanescent, or engraved with the sharpness of stell. From all sides they come, an incessant shower of innumerable atoms; and as they fall, as they shape themselves into the life of Monday or Tuesday, the accent falls differently from of old...

Look within and life, it seems, is very far from being "like this". Life is not a series of gig lamps symmetrically arranged; life is a luminous halo, a semi-transparent envelope surrounding us from the beginning of consciousness to the end. Is it not the task of the novelist to convey this varying, this unknown and uncircumscribed spirit, whatever aberration or complexity it may display, with as little mixture of the alien and external as possible?... Let us record the atoms as they fall upon the mind in the order in which they fall, let us trace the pattern, however disconnected and incoherent in appearance, which each sight or incident scores upon the consciousness. Let us not take it for granted that life exists more fully in what is commonly thought big than in what is commonly thought small.


Virginia Woolf